O evolucionismo do século XIX e “O ramo de ouro”

UnB – Universidade de Brasília

Instituto de Ciências Sociais

Departamento de Antropologia (DAN)

Disciplina: Teoria Antropológica 1 – 135194

Semestre: 2/2008

Professor: José Pimenta

Turma: A

Aluno: Rafael de Araújo Aguiar

Matrícula: 08/38811

Data: 30/08/08

 

              James Frazer descreve a evolução do pensamento humano de forma bastante peculiar. Pertencente ao fim do século XIX, ideologicamente, e filiado ao evolucionismo (primeiros esforços de sistematização da Antropologia), escreveu uma obra de 13 volumes publicados ao longo de décadas no intuito de decifrar os enigmas de nosso passado, batizados de O ramo de ouro. Como seria impossível ler, no presente curso, esses milhares de páginas, recorri à sintética introdução de Mary Douglas, antropóloga contemporânea, que delineia a própria evolução geral do trabalho mais vigoroso de Frazer, além de contar com trechos de uma versão condensada de O ramo de ouro.

            Desvendar as regras do sacerdócio em Arícia era o declarado objetivo principal dos escritos de Frazer. Mas há algo maior por trás, o que é exposto pela própria Mary Douglas: tratar-se-ia de uma analogia para a compreensão de uma cosmogonia universal, válida para todos os homens. A ambiciosa totalização empregada por Frazer é fonte de aplausos e discórdias: a sistematização do homem é o trabalho mais amplo que pode haver! Empreendê-lo tem seu preço. Uma visão panorâmica de múltiplas realidades e a necessária simplificação lingüística geram distorções. Mary Douglas alerta, no entanto, para o reverso da moeda: a falta de ambição gera resultados por vezes pífios. Se, por um lado, totalizar é perder de vista muitos detalhes e ampliar a margem de erro do trabalho, deixar de fazê-lo (e isso tem sido corriqueiro atualmente) torna a reflexão próxima à nulidade. Obviamente, não é meu objetivo aqui discorrer mais longamente sobre uma questão tão complexa do “fazer Ciência”, então sigamos.

            Frazer foi iniciado no cristianismo pela família, posteriormente se interessando por religiões exóticas. É no terreno religioso que se encontra o cerne de suas conclusões. Em um período no qual o irracionalismo ganha terreno, o autor britânico prima por fazer dele uma categoria racionalmente abordável. Portanto, Frazer pode ser considerado um psicólogo-antropólogo, por mexer com o inconsciente e o tácito de várias narrativas. Utiliza o método comparativo (múltiplas simbologias diferentes mediadas por um “fio de Ariadne”) e, a despeito das críticas mais recentes sobre suas pré-noções (mais adiante as comentarei), foi um evolucionista que entendeu que os povos primitivos não usufruíam de uma “existência incompleta” somente porque de nossa perspectiva ela não faz tanto sentido. Aqui entra o papel da alteridade: “sentindo-se” como o ser humano situado no mundo mágico, que não separa imanência e transcendência, Frazer via a lógica e coerência internas dos cultos, magias simpáticas (poder-se-ia alegar que nosso arraigado hábito de arrumar a cama teria a ver com Pitágoras!), magias públicas (aponta-se até uma curiosa e eventual gênese do funcionário público moderno, entre os “selvagens”!), tabus e imolações de deidades (Jesus Cristo, o deus-homem, se afigura como um resquício de “pré-modernidade” em nosso moderno modo de ser: o elo entre o sagrado e o mortal) sem aderir ao juízo de valor do “estrangeiro” de considerar aquele sistema de crenças absurdo. Em suma, é a lição de que, em uma ilustração “totalizante”, como a adoraria Frazer, a teoria do Big Bang poderia ser a lenda de Diana e Vírbio, não obstante os físicos jamais desconfiarem dessa idéia! Mito e ciência explicam a sua maneira o mundo.

                 Entre as contribuições da escola evolucionista como um todo, temos: possibilitou a construção de árvores genealógicas detalhadas dos povos estudados (notem-se as intrincadas diferenças nas regras de casamento nos múltiplos povos abordados); é a abre-alas das pesquisas em Psicanálise (adoração do totem e imposição do tabu).

            Voltando a Frazer para comentar justamente de suas fraquezas paradigmáticas (concepções evolucionistas), ele é incapaz da auto-crítica em relação ao modelo de desenvolvimento da Inglaterra do século XIX – seu espírito de tempo é o das leis de progresso sociais e da fé no poder explicativo da Ciência (ainda um meta-discurso, com letra maiúscula). O exercício de expor as limitações do autor deve ter a ressalva de estar situado vantajosamente no tempo; Mary Douglas adverte que não é sadio o rótulo de “racista” ou “eugenista” para alguém como James Frazer, envolto por opiniões tão mais extremadas que a dele. De qualquer modo, o inglês estipula como uma falta de discernimento o fato de o selvagem não diferenciar o natural do sobrenatural. Contudo, apenas porque no mundo moderno o homem faz a separação, cria pólos, não quer isso dizer “incapacidade” por parte do selvagem. São apenas dois sistemas de percepção de mundo com características diferentes – isso se pode contrastar, embora não graduar (como adverte Boas – que, aliás, já olha com menos complacência que seus colegas evolucionistas para o termo “selvagem”). Frazer comenta também que os selvagens partiram de falsa premissa para compor seu todo harmonioso – como se o “civilizado” não dispusesse dos mesmos a prioris, e um deles é sua convicção absoluta no Estado e na autoridade, no secular e no sagrado, na objetividade.

                  Voltando ao lado menos míope de James Frazer, estabelece-se uma ligação – e ao mesmo tempo distinção – inexorável entre magia e ciência, entre as mitologias dos povos antigos e o mundo moderno. Afinal, a magia seria uma tentativa inicial, já apoiada pela lógica, de buscar a verdade. Segundo os preceitos da escola evolucionista, nesta jornada à procura do verdadeiro, nós, utilizadores do método científico, estaríamos em um ponto mais avançado que nossos predecessores, dando prosseguimento a suas importantes descobertas primordiais, porém bem mais aparelhados e civilizados, capazes de encarar questões complexas antes impensáveis. No arremete da versão condensada de O ramo de ouro que nos foi concedida, o autor chega a afirmar que “nossas semelhanças com os selvagens ainda são mais numerosas do que as nossas diferenças” (FRAZER, James George. 1982 [1890]. “Nossa dívida para com o selvagem”. O ramo de ouro, São Paulo: Círculo do Livro. p. 98), reconhecendo que a ciência pode não passar de uma solução intermediária nesta caminhada à procura da “hipótese que se supõe funcionar melhor” (idem), ou seja, rumo à verdade, pois um dia já se pensou que o mito e a religião representavam os instrumentos definitivos nessa busca – antes do surgimento da Antropologia – e é salutar imaginar que no futuro o homem se depare com mais e mais respostas provisórias de novos tipos. Mary Douglas encerra sua introdução ao livro de James Frazer da mesma forma. Considero que a controvérsia palpável do meu texto, oscilando entre os méritos e malogros de Frazer, se deve à própria ambigüidade do autor ao longo de sua obra e da dificuldade em unificar sua visão de mundo.

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